Foto: Christian Hartmann/EPA
Os discursos diante do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa dissiparam as dúvidas. O Papa conta com a Europa, mas com que Europa? E a Europa ainda é capaz?
Na antevisão desta histórica visita de Francisco às instituições europeias, em Estrasburgo, muito se comentou a posição do primeiro Papa argentino face à Europa. A verdade é que até esta terça-feira as frases de Francisco sobre a Europa eram relativamente poucas e não muito lisonjeadoras. Nestes primeiros 20 meses do seu pontificado ignorou praticamente o continente "envelhecido", como o próprio o descreveu, e quando finalmente viajou na Europa fora de Itália escolheu ir passar um dia à Albânia, um país extracomunitário e muçulmano.
Será que o Papa não se interessa pela Europa? Ou pelo menos não se deixa entusiasmar por ela como os seus antecessores? Uma resposta positiva seria perfeitamente justificável. A Europa passou a ser território de missão, com cada vez menos católicos, menos praticantes; um bloco cada vez menos influente, incapaz e sem vontade de se impor às barbaridades do mundo que se passam mesmo do outro lado do pequeno Mediterrâneo; demasiado preocupado em resolver uma crise económica, aparentemente para poder voltar à opulência, sem precisar de mudar de vida, sem capacidade de perceber que na raiz dos problemas financeiros está uma crise moral.
Seria de espantar que nada disto entusiasmasse um homem vindo da América do Sul? Teria Francisco desistido da Europa?
Os fantásticos discursos desta visita, sobretudo o primeiro, desmentem claramente esta visão. Francisco quer a Europa e conta com a Europa, mas com a Europa verdadeira e não esta pálida imagem em que se deixou transformar.
Francisco quer aquela Europa onde se desenvolveu a ideia de que o centro do mundo são as pessoas, em toda a sua maravilhosa dignidade, e que tudo o que de resto se faz, se produz e se discute tem de ser em função delas; a Europa que está disposta a atravessar-se e a arriscar o seu conforto para defender os direitos humanos de todos, mesmo os não-europeus, mesmo os fracos e pobres; uma Europa que não pense duas vezes sequer quando a alternativa a arriscar perder alguma da sua segurança ou bem-estar são milhares de corpos a boiar no Mediterrâneo.
A questão agora não é saber se o Papa gosta ou não gosta da Europa, a questão está em saber se essa Europa que ele quer ainda existe e é capaz de se restaurar, ou se está definitivamente rendida a andar de crise económica em crise económica, até à irrelevância final.
25-11-2014 19:06 por Filipe d'Avillez, em Estrasburgo
in RRenascença
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