sábado, 6 de dezembro de 2014

As grandes mudanças fazem-se com as pessoas


Antigamente tudo parecia mais fácil. A verdade parecia menos complexa. As soluções pareciam mais fáceis de encontrar. As variáveis de cada equação pareciam menos variáveis. Ou talvez sejamos apenas nós a dizer isso hoje. Não podemos deixar de dizer que com muita frequência idealizamos o passado, ou seja, falamos não do passado real mas do passado imaginado.

Mas, como já ouvimos tantas vezes, o mundo está a mudar. O ‘estar sempre em mudança’ até parece ser a única coisa que é verdadeiramente constante. Sobretudo devido às tecnologias - umas novas e outras nem por isso. Num simples computador, num tablet ou num smartphone… podemos estar ligados a todo o mundo. Encurtam-se distâncias.   

Na verdade, encurtam-se algumas distâncias e afastam-se algumas proximidades. As dimensões do tempo, da proximidade, da relação, da informação, da privacidade, da segurança… são hoje mais complexas e diversificadas, mais ricas e vulneráveis. Junta-se a esta mobilidade virtual a cada vez maior mobilidade promovida por transportes sempre mais rápidos e acessíveis (sublinhe-se sobretudo o fenómeno do low-cost).  

Este mundo em mudança permanente e cheio de tecnologia é uma nova ‘aldeia global’. Mas é preciso dizer que não é apenas uma aldeia que se aproxima das outras aldeias, nem a aldeia que passa a poder ser conhecida por todas as aldeias; é principalmente esse conjunto de aldeias (culturas, pensamentos, conhecimentos, experiências, línguas) que podem entrar nessa aldeia que vivemos e que somos. Tudo hoje assume dinâmicas relacionais novas com consequências existências profundas, ainda que aparentemente invisíveis, quer na cultura, quer na família, quer no trabalho, quer nas escolas, quer na fé, quer na comunidade cristã.

Não queremos dizer que a mudança seja má ou boa, que a tecnologia seja má ou boa. Não julgamos as coisas a priori. Olhemos para a realidade como um desafio permanente. O bom ou o mau depende muito do modo como nos relacionamos com a realidade e como usamos os meios que o ‘mundo de hoje’ permite.  

Todavia, não podemos deixar de sublinhar que neste processo vamos descobrindo novas tensões. Vamos percebendo que nesta sociedade global existem realidades locais que não querem morrer e procuram afirmar-se mais do que nunca (geograficamente novos desejos de independência, culturalmente minorias que se impõem, economicamente mercados regionais que querem conquistar o ‘mundo’…). Por isso, alguns autores falam de glocalização, ou seja de dois movimentos co-existentes: um global e ou local.

Como vive cada uma das nossas famílias esta realidade? Como vive a escola e ensinam os professores neste contexto? Como a política se realiza neste horizonte existencial? Principalmente como vive a Igreja e a comunidade cristã neste mundo?

Se o mundo está em mudança então também as soluções, as variáveis e sobretudo as estratégias têm de mudar. Até aqui é fácil chegar. A questão é sempre a mesma - qual será o (melhor) caminho? Como poderemos hoje encontrar as (melhores) soluções?

1. Não há apenas um caminho, um movimento, uma solução. Acabou o tempo do ‘caminho único’. Por isso, nenhuma das possibilidades se pode apresentar como a única nem a melhor. Há várias soluções, vários momentos, várias circunstâncias que podem ajudar no caminho. Desconfiemos sempre de soluções fáceis, de movimentos que resolvem todos os problemas, de caminhos únicos, de livros que contam toda a verdade... Vivemos no tempo do pluralismo. A verdade sempre foi plural mas talvez nem sempre tenhamos tido essa consciência. A nossa história é feita de muitos contributos, de muitos caminhos e de muitas ‘tentativas’. Isto não significa que não haja caminhos e soluções melhores do que outras (mas sempre no plural).

2. As grandes e profundas mudanças são processos longos e lentos. Como uma árvore de fruto que leva o seu tempo a crescer. Trata-se sempre de um ‘processo artesanal’ que envolve muito empenho, muita confiança, muita relação, muita esperança… e ‘alguma sorte’. Não se pode ter tudo: velocidade, qualidade, profundidade… Quando algo nasce grande é monstro e quando algo cresce depressa continua ‘verde’ por dentro. O sabor, a beleza e a profundidade… não é um ‘processo industrial’, não é um copy paste … e sobretudo precisa de tempo.

3. As mudanças fazem-se para as pessoas, mas principalmente com as pessoas. Este aspeto é dos mais importantes. Estamos muito agarrados às folhas de excel, pensamos muito nas estatísticas, apostamos muito nomarketing… mas o essencial são as pessoas. Ou melhor, a relação com as pessoas – onde cada pessoa se possa sentir uma pessoa. Por isso, as pessoas devem ser consideradas todas inteligentes e, à partida, capazes de ajudar a construir o próprio processo. Claro que tem de haver liderança mas todas as pessoas devem ser ouvidas - as melhores soluções às vezes vêm de onde menos se espera!

4. Neste horizonte a ‘tomada de decisão’, em qualquer processo, deve ser feita de forma alargada e aberta ao contributo de todos. O trabalho em rede e em grupo não é apenas a soma de cada um. Quando se trabalha em equipa o conjunto é superior à soma das partes. Por isso, não é apenas uma gestão de recursos nem uma otimização de procedimentos. Confesso que começo a ter cada vez mais dúvidas nos discursos que promovem as ‘multinacionais’ (locais) ou ‘visões demasiado globais’. Estar próximo é mais importante (muito mais humano e cristão) do que ser eficaz (mesmo pastoralmente falando). Nestas coisas paradoxalmente somos mais eficazes quando somos mais próximos. Aqui não posso deixar de dizer que às vezes há demasiada hierarquia. Uma estrutura ser muito organizada e até apresentar muitos resultados não significa necessariamente ser útil.

5. Nestes processos de ‘organização’ e de busca de soluções há, quase sempre, uma grande preocupação em criar regras. Às vezes este é um dos maiores problemas. Em todas as nossas organizações há muitas regras ‘inúteis’. Pessoas inteligentes e responsáveis não simpatizam com regras estúpidas e especialmente infantilizantes! As pessoas devem ser responsabilizadas… Responsabilizar e confiar em cada pessoa. Se alguém não for responsável deve ser confrontado e deve assumir as consequências. Para mim isso é educar.

6. Por fim, sublinho que os pormenores fazem a diferença. Muitas vezes, mais importante que estar tudo a correr bem é haver bom ambiente. Um bom ambiente revela o fantástico de cada pessoa. Não basta saber fazer ou ter muitos conhecimentos técnicos (hard skills), é preciso saber ser e saber estar, ser simpático, ser humilde, ter serenidade e ter humor (soft skills). Não é que a competência não seja importante mas não basta. Não basta saber muito para ser um bom professor é preciso ter pedagogia. Não é preciso ser psicólogo ou pedopsiquiatra para ser um bom pai ou uma boa mãe… aliás às vezes até parece que atrapalha!

Por isso, na vida em geral (e na Igreja em particular) não é tanto uma questão de técnica mas de atitude, não é tão importante uma dimensão (in)formativa quanto uma perspetiva preformativa, não é tanto uma questão de saber muito mas de comunicar com autenticidade existencial. Partilhar com aqueles com quem nos cruzamos o que é mais profundo em nós e pode dar mais sentido à vida.
                                                                                                                                in Mensageiro de Sto Antº, Dez 2014
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