domingo, 21 de fevereiro de 2010

Dia da Língua Materna: metade das línguas do mundo corre risco de extinção

Mapa das línguas em risco no mundo (UNESCO)

Comemora-se hoje o dia internacional da Língua Materna, instituído pela UNESCO em 1999 com o objectivo de proteger e salvaguardar as línguas faladas no planeta. Calcula-se que, das 6700 línguas faladas actualmente em todo o mundo, cerca de metade corre o risco de desaparecer.
Diversidade linguística: a história do leão e do rato

Durante a II Guerra Mundial, um grupo de falantes navajo (língua indígena americana) utilizou um código cifrado baseado nesta língua para comunicação via rádio. Foi o único código que nunca foi decifrado, na história militar recente, e revelou-se decisivo para as vitórias norte-americanas no Pacífico. Este caso é mais uma curiosidade histórica do que linguística, uma vez que nada na língua navajo a torna totalmente indecifrável. Na altura, não havia meios tecnológicos que ajudassem a quebrar a cifra e quase ninguém fora da comunidade navajo compreendia a língua. O episódio, como na fábula do leão e do rato, serve para mostrar o valor da diversidade. Mas, muito mais que utilidade militar ou económica duma língua, um dos principais argumentos a favor da salvaguarda da diversidade das línguas parece ser o mesmo que se aplica à vida na Terra: uma espécie de biodiversidade, neste caso linguística, tendo em conta que a língua é a ferramenta por excelência de transmissão de valores, ideias e visões do mundo. Assim, é da diversidade cultural como património que se fala quando se trata da defesa destas línguas. Para muitas comunidades, a língua é o principal repositório da sua identidade. E o desenvolvimento moderno parece ter na diversidade das línguas, como na diversidade das espécies, um impacto negativo.

O mapa interactivo das línguas em perigo, da UNESCO, mostra-nos um mundo coberto de pequenas bandeiras de alerta, com diferentes níveis de urgência. Em países como os Estados Unidos, as comunidades índias, por exemplo, têm vindo a perder cada vez mais falantes, uma vez que as novas gerações acabam por adoptar o inglês como língua principal. Em 1990, os Estados Unidos adoptaram legislação com vista à protecção das línguas indígenas. Em 2009, a Austrália anunciou um programa de 7,8 milhões de dólares americanos para tentar salvar as línguas aborígenes que ainda sobrevivem: cerca de dois terços das 275 originais.
O caso português
Para os portugueses, que gozam de uma unidade linguística excepcional, falar do território português coincide quase com falar da língua materna (não esquecendo os falantes do mirandês). E este universo linguístico torna-se muito mais amplo com os restantes países em que o português se aprende em casa, com a família.
No espaço da Península Ibérica registam-se quatro línguas em risco, segundo os critérios da UNESCO: basco, gascão, aragonês e o grupo asturo-leonês, onde se inclui o mirandês.
A língua mirandesa, falada em algumas aldeias do planalto transmontano, foi reconhecida oficialmente em 1999 pela Assembleia da República. Entre as várias iniciativas que têm tentado promover a sobrevivência do mirandês, estão por exemplo a publicação de uma Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa em 1999, e, num âmbito mais lúdico, as Crónicas em Mirandês, que o Centro Nacional de Cultura tem publicado regularmente no seu site.
Línguas orais sob ameaça
Os países lusófonos discutem presentemente o acordo ortográfico. Um dos argumentos invocados é a importância de uma língua unificada para a afirmação do português no mundo. Mas para muitas comunidades dos países de língua oficial portuguesa a questão é outra, e mais básica: falam línguas que não têm uma forma escrita, e que por isso estão sob ameaça imediata.
Numa entrevista de Julho de 2009 ao SAPO, o escritor moçambicano Mia Couto defendia que a sobrevivência das línguas de tradição oral moçambicanas só é possível se elas se inscreverem na modernidade, o que passa necessariamente por se tornarem escritas e adquirirem normas.
O papel da Internet
Se muitos acusam a hegemonia do inglês na Internet, a UNESCO defende precisamente que ela pode ser uma ferramenta útil para a sobrevivencia destas línguas. Para já, através da disponibilização de informação sobre as línguas e a sua vitalidade - um critério medido por factores como o número de falantes actuais da língua, a disponibilidade e qualidade de materiais de ensino, a transmissão da língua entre gerações, as medidas políticas com vista à defesa da língua, a sua utilização em meios oficiais, e ainda outros factores comportamentais, como a atitude dos falantes para com a sua própria língua. Quanto ao português, parece não ter muito a temer no universo da Internet. Segundo dados do Internet World Stats, é actualmente a sexta língua mais falada na web.



in Sapo Notícias

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