Atravessar a adolescência traz significativas alterações para os jovens, mas também para os próprios pais.
Que tipo de regras impôr, como gerir a influência dos amigos, como lidar com a crescente autonomia dos filhos são preocupações dos pais a que a psicóloga e docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Católica Porto, Maria Raul Xavier, responde.
Como se deve lidar com um filho adolescente?
As novas características físicas, cognitivas e emocionais dos adolescentes levam muitas vezes os pais a interrogarem-se se estarão a lidar com um desconhecido e não com aquela criança que conheciam tão bem. Temos que nos lembrar que o filho é o mesmo e que está a passar – como é normal e desejável – por um novo estádio ou fase de desenvolvimento que corresponde às “tais” novas características que por vezes deixam os pais a suspirar… Assim, é muito difícil responder a esta questão mas posso sugerir “3 passos” para os pais: investir num sentimento de relação e na qualidade da comunicação, monitorizar os interesses e atividades do adolescente e encorajar a independência.
Qual a melhor estratégia para impor regras?
Apesar de compreender a utilidade de identificar uma estratégia “especial” para lidar com a questão das regras, a verdade é que tal não existe. Não há dois adolescentes iguais nem pais iguais. No entanto, diversos estudos têm revelado que não é a ideia da “imposição” que apresenta maior eficácia. Quando exploramos o tema das práticas parentais, o que fomos percebendo é que o estilo mais eficaz é aquele que habitualmente descrevemos como democrático, que se caracteriza por uma relação calorosa e que implica a aceitação do outro, que sublinha a importância das regras, das normas e dos valores e em que há disponibilidade para escutar, explicar e negociar, ajudando o adolescente a construir as suas próprias ideias. Investir nestas práticas ao longo de todo o crescimento dos filhos parece ser a maneira mais eficaz de integrar as regras na dinâmica familiar, inclusivamente na adolescência.
Quais as principais dificuldades que os pais têm em lidar com filhos adolescentes?
No trabalho desenvolvido com pais de adolescentes, uma das dificuldades que mais vezes é referida diz respeito à tarefa de lidar com alguém que é agora (muito) mais crítico e capaz de questionar o mundo em geral e os pais em particular. É um novo desafio para os pais. Gostaria de lembrar que a argumentação dos jovens é um sinal de que este está a dar passos de independência, desenvolvendo confiança com vista à autonomia e que embora isso possa tornar o ambiente familiar diferente, na verdade a família é o contexto mais protegido e mais compreensivo para este treino.
Outra dificuldade apresentada,frequentemente em forma de “queixume”, tem a ver com o menor interesse do jovem em se envolver nas atividades familiares e no passar tempo em família. Também isto testemunha os passos de crescimento e não deverá ser visto como “conflito”. Cabe aos pais a tarefa de permitir aos filhos os momento de contato com os amigos mas ao mesmo tempo de alimentar com criatividade situações de vida familiar que garantam satisfação e sentido de pertença para todos.
Como os pais devem aceitar o crescimento e crescente autonomia dos filhos?
Quando conversamos com pais que encontram no seu dia a dia tempo para pensar sobre as novas características dos seus adolescentes, sobre o modo como eles próprios sentem estas novidades e como estas interferem na dinâmica familiar, bem como sobre o que sentem ao ver chegar um momento da vida que antecede a independência dos filhos, percebemos como isso é útil na resposta às situações concretas – e desafiantes – que se vão colocando. Ao investir num sentimento de relação, na comunicação familiar e ao encorajar a independência, os pais estão habitualmente num processo difícil e doloroso, é verdade. Mas todos querem que os seus filhos sejam adultos felizes, autónomos e realizados, por isso vale a pena!
Quais as principais preocupações dos pais e como as resolver?
Uma das grandes preocupações dos pais é a influência – potencialmente vista como negativa – dos grupos de pares, dos amigos. Contrariando esta visão tantas vezes pessimista, o que sabemos hoje é que os amigos desempenham um papel fundamental na adolescência, ajudando no caminho da construção da identidade. Ou seja, nas questões de decisão vocacional e futura carreira profissional, na adopção de crenças e valores próprios e também no desenvolvimento de uma identidade sexual satisfatória, atuando por vezes como grupo de autoajuda.
Apesar de parecer que o grupo é tudo o que interessa, a família mantém-se como influência importante, sendo inclusivamente referência na escolha do grupo de amigos. E, embora existam situações em que a autoridade parental é desafiada, não é habitual que se instale um conflito de gerações com proporções marcantes. Essas situações são exceções.
Até onde deve ir a liberdade dada?
Partindo de todas as diferenças individuais, cada família tem a sua dinâmica própria e a questão da liberdade não surge apenas na adolescência, acompanha toda a vida familiar. Penso que uma das importantes tarefas dos pais é justamente pesar a quantidade de liberdade e autonomia que possibilitam aos filhos, em cada fase do desenvolvimento, ajustando-a ao nível de maturidade que estes apresentam. Na adolescência, tal é especialmente importante pois para o adolescente este é um tema central, que provavelmente reivindicará. Assim, possibilitar o treino de maior liberdade e autonomia no sentido da responsabilização é sem dúvida uma boa estratégia se conjugada com a monitorização das atividades. Refiro-me ao saber onde está o filho, com quem, o que estão a fazer e quando estará novamente em casa. Mas sem que o pai/mãe se transformem num fiscal de controlo, a envolver-se nas suas actividades de tempo livre, conhecer os amigos, etc.
No caso de filhos problemáticos, que conselhos pode dar aos pais?
Quando os pais e/ou os adolescentes se sentem realmente incomodados com os confrontos constantes ou se os temas recorrentes em casa disserem respeito a problemas sérios como o consumo de substancias (ilícitas ou lícitas como o álcool), depressão, violência ou comportamentos sexuais de risco, então aconselho que os pais deverão considerar o recurso a ajuda profissional especializada: o psicólogo, o médico de família ou especialista ou o enfermeiro do centro de saúde, por exemplo.
Como se mantém a qualidade de relacionamento que se tinha quando os filhos eram crianças?
Esta é sem dúvida uma temática que preocupa os pais dos adolescentes, pois muitas vezes parece que o tipo de relação estabelecida mudou drasticamente e que nunca mais virá a ter as mesmas características. Queria recordar que o afastamento da família é importante para o desenvolvimento da identidade e autonomia do adolescente, mas que tal não deverá ser sinónimo de separação. Refiro-me sim a um distanciamento calmo e de cooperação, procurando reduzir ao mínimo o conflito verbal, mesmo sabendo que há diferenças quanto ao que pensam sobre música, vestuário ou penteados… Assim, esta cooperação e envolvimento deverá ser trabalhada com criatividade, pois a sua utilidade vai ser muita.
A proximidade e o cuidado que este envolvimento revela têm sido associados, por exemplo, a menos comportamentos antissociais, menos problemas de consumos de substâncias. Esta proximidade deverá integrar as atividades dos tempos livres e assim, além de demonstrarem interesse e disponibilidade – que têm um impacto profundo no adolescente - os pais terão conhecimento sobre os diferentes aspetos da vida dos seus filhos sem que tal seja lido como afirmação de poder ou invasão de privacidade. Podem existir momentos de argumentação mais acesa, de confusão, de aumento de stress, mas a maior parte das famílias ultrapassa esta fase sem consequências negativas. O esforço valerá sempre a pena, sabendo que o relacionamento positivo entre os adolescentes e os seus pais prediz uma boa transição para a vida adulta.
Por Sónia Santos Dias
http://familia.sapo.pt
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