1. É Natal! O Natal é o anúncio do amor inaudito de Deus pela humanidade, anúncio jubiloso, cumprimento de uma promessa e realização de um desejo do coração humano. É assim que os textos da Bíblia que as comunidades meditarão esta noite, apresentam o nascimento de Jesus: “Anuncio uma grande alegria para todo o Povo: nasceu-vos, hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor” (Lc. 2,10).
Esta noite, dirijo-me a vós com total sinceridade. Eu acredito em Deus e, por isso tenho de fazer desta mensagem um anúncio a todos vós que me escutais: Deus existe e continua a amar a humanidade, no seu Filho Jesus Cristo, Deus e Homem, que nasceu em Belém há 2000 anos, Filho da Virgem Maria. Este anúncio é sincero e feito com humildade. É anúncio que só tocará o coração daqueles e daquelas que, talvez alguns sem o saberem, procuram o encontro com Deus, um Deus que conhecemos pouco, um Deus em que alguns não acreditam ou não deixaram entrar no concreto das suas vidas.
2. Nos últimos tempos, entre nós, falou-se muito de ateísmo; exprimiram-se ateus, pessoas e organizações, defendeu-se o direito de ser ateu e de exprimir a negação de Deus, manifestação da liberdade de consciência; deu-se a entender que não é o facto de os crentes acreditarem em Deus que faz com que Ele exista. Mas esqueceu-se a afirmação de que não é o facto de alguém não acreditar em Deus que faz com que Ele não exista. Acreditar ou não acreditar são sempre tomadas de posição da nossa inteligência e da nossa liberdade em relação a esse mistério que nos interpela e, porventura, nos incomoda. Nós acreditamos, porque Ele existe e o encontrámos. Citaram-se nomes sonantes da nossa literatura, como Miguel Torga, que referindo-se a Deus, afirmou ter tido toda a vida a coragem de O negar, mas nunca ter sido capaz de O esquecer.
Um Menino nasceu para nós, Deus vem ao nosso encontro. O Natal continua a trazer a todos uma mensagem de harmonia e de paz. Ser crente ou descrente não pode transformar-se em conflito, um motivo mais para as tensões e agressões mútuas entre os homens. São atitudes e experiências a ser vividas com humildade, que exprimem a nossa situação de peregrinos da Vida e da Verdade. Só procuram Deus aqueles que não desistiram de se encontrar a si mesmos numa percepção cada vez mais profunda do seu próprio mistério. Surpreendem-me as certezas apodícticas com que alguns proclamam o seu ateísmo. As próprias certezas da fé, sendo firmes, são humildes. O crente será sempre aquele que procura o seu Senhor. É uma longa peregrinação que tem a grandeza e a humildade da longa caminhada da vida. E nesse longo caminhar, há momentos de obscuridade e de dúvida, que nos fazem desejar, mais ardentemente, a luz da Verdade, na esperança de que, no grande dia, ela brilhe esplendorosa e de forma definitiva. A fé é uma luz que nos conduz nesta vida, mas nos encaminha para a eternidade, onde a luz de Deus brilhará para todos.
“Vós sois na verdade um Deus escondido”, canta o salmista do Antigo Testamento. Nós, os crentes, não inventámos Deus. Ele é misterioso demais para ser invenção humana. Acreditamos n’Ele porque Ele nos atrai e nunca permitiu que a Sua notícia se apagasse do coração humano. E sabemos, por experiência própria, por vezes dolorosa, que a nossa vida e a vida de todos os homens ganham um rumo novo quando se deseja e se busca o rosto de Deus.
3. Nesta noite de harmonia e de paz, com a mesma sinceridade que vos prometi, saúdo todos aqueles e aquelas que acreditam em Deus através de outras tradições religiosas. Temos muitas diferenças, mas temos algo de precioso em comum, a fé em Deus, ser supremo e amigo dos homens. A nossa fé, como a vossa, constitui um elemento decisivo para que esta nossa sociedade, por vezes tão desviada de uma dimensão grandiosa da vida, encontre o sentido da harmonia, da fraternidade e da paz.
Saúdo os nossos irmãos judeus, membros do mesmo povo crente ao qual pertencemos, deles herdámos a beleza da Aliança, a ousadia dos profetas, a piedade orante dos Salmos, a certeza de que Deus intervém na nossa história.
Saúdo todos os irmãos que acreditam no Deus único, santo e misericordioso e que, como o povo bíblico, fundamentaram no encontro de Deus com Abraão o início da sua fé.
A todos vós, quando um dia receberdes o prémio da vossa fidelidade, será revelado o Seu Filho, Jesus Cristo, que vos encherá de alegria. Todos juntos havemos de contribuir para que Deus não seja excluído do nosso mundo e da nossa história.
4. Queria muito que esta minha mensagem fosse anúncio, como o dos profetas e dos anjos aos pastores. Esse Deus escondido e misericordioso vem ao nosso encontro, nascendo Menino, filho de Maria. São João resume toda a densidade deste anúncio: “A Deus nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer” (Jo. 1,18), porque nos foi entregue pelos braços estendidos de Maria, sua Mãe, que nos acompanha sempre nesta peregrinação na fé.
Desejo muito que sejais felizes nesta Noite de Natal.
D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa, 24 Dezembro 2009 - 21h30
Sem comentários:
Enviar um comentário